domingo, 26 de fevereiro de 2012

O CONCEITO DE SUCESSO (Swami Dayananda Saraswati)

07 de Janeiro de 2012 

O conceito de sucesso humano é um tema muito antigo. De cultura para cultura o conceito de sucesso pode ser diferente, mas graças à velocidade na comunicação e ao tráfego global de ideias, o conceito de sucesso é aparentemente algo quase que universal. As diferenças culturais parecem não existir, salvo talvez em alguma sociedade tribal remota onde não se tem contato com as pessoas em geral. No entanto, o conceito de sucesso é praticamente reduzido a uma ou duas coisas: o sucesso no campo profissional ou a realização.
O sucesso é medido basicamente em termos da busca do conhecimento e em termos da busca econômica. Há um impulso para o sucesso em relação a ganhar mais dinheiro e mais reconhecimento na sociedade e este parece ser o conceito universal de sucesso nos dias de hoje. 
Eu não acho que essas buscas irão mudar, pois penso que este conceito vai dominar o coração das pessoas nos próximos períodos que virão. 
Mas, então, existe uma sensação de sucesso por parte do ser humano como um ser humano? Isso é muito importante.

AUTO-JULGAMENTO
Quando eu me esforço para ter sucesso, eu vou me julgar como um sucesso ou um fracasso ou como alguém que está lutando para se tornar um sucesso. 
Eu não me importo em lutar pelo sucesso por vários anos da minha vida. Até a meia idade luta-se pelo sucesso, pois há sempre uma esperança de que no próximo ano será diferente ou que os próximos dois anos vão fazer uma grande diferença na vida de alguém. 
Há esperança e há esforço para aquela pessoa que eu presumiria ser.
Mas, quando eu chegar a meia-idade, eu me dou conta que talvez eu tenha conseguido o que eu queria alcançar e ainda assim, eu vou me olhar apenas como uma pessoa. 
O julgamento não vai ser do ponto de vista do que eu consegui, mesmo que eu ache que as minhas realizações profissionais foram o que eu queria e mesmo que eu tenha feito tudo isso, ainda assim, eu vou olhar para mim, não apenas sob esse ponto de vista, eu vou me olhar como uma pessoa.
E essa vai ser a base para o meu julgamento sobre mim mesmo. Assim, na meia idade, como se costuma dizer, há uma grande crise, como se não houvesse crise antes. Na meia-idade a pessoa começa a perceber que não há esperança. Essa é a crise. Até então ela estava esperançosa de que as coisas seriam diferentes. Agora, ela percebe: "Eu já estou com 45. Que diferença vai fazer outros 45 anos a mais? 
E isso é um declínio de 45 anos, por isso eles não vão ser os mesmos."
A unidade, a energia, o entusiasmo todos mínguam lentamente. E isso indica que ele parece perceber a situação. E ele é obrigado a fazer um julgamento – aquele que ele não fez. 
Com o dinheiro está tudo certo, mas por si só não é suficiente. Alguém tem que aprovar o fato de eu ter ganho dinheiro e ainda pensar que eu sou maravilhoso.
Uma pessoa que teve sucesso financeiro e profissional a partir de um começo pobre, nem só pode achar que ela conseguiu isso tudo, mas também quer ter a certeza de que todos saibam disso. 
Ser filho ou filha de uma pessoa assim é uma tragédia. Todo dia pela manhã ela vai dizer: "Você sabe como eu estudei? 
Estudei sob as luzes da rua." Muito embora ela tenha feito isso, ela não assimilou. Então, ela tem que se vangloriar e obter a aprovação de todos porque ela fez dessa forma. 
Isso significa que por dentro, ela não acha que ela agiu assim.
A autocrítica parece não levar a lugar algum. Isso é um problema crônico que se torna agudo na meia idade. 
Então, você gostaria de trazer algumas mudanças em sua vida. Mas a mudança em sua vida pessoal não faz nenhuma diferença. É sempre a mesma, porque a pessoa é a mesma e é esta pessoa que vai fazer o auto-julgamento. 
E esse auto-julgamento é o problema do ser humano. É fácil dizer: "Não julguem."
O que as pessoas não entendem é que esta afirmação reflete um julgamento. Não há nenhuma maneira de não ser crítico, como um ser humano auto-consciente que vai julgar a si mesmo. Quando você julga a si mesmo, você não vai ser compassivo para com os outros, compreender os outros. 
Você vai ser crítico. Isto é natural, porque se eu sou duro comigo mesmo, como eu vou ser simpático e compreensivo dos outros? Eu sou crítico e você também é crítico, então nós dois passamos como normais. 
Para ser normais, tudo o que nós precisamos é de nossa mútua companhia.
Portanto, então, como eu valido o meu próprio entendimento interno sobre mim mesmo, é a única coisa que conta para determinar se fiz ou não fiz isso. 
E isso é muito importante. O mundo todo pode dizer que você é bonito, mas você tem que assimilar isso. Caso contrário você vai pensar que o mundo não te conhece, ele só conhece a pessoa com a maquiagem.
No interior, o que eu penso sobre mim é o que realmente importa. 
Nesse lugar exato onde eu tenho esse sentimento de mim, do eu, naquele mesmo lugar eu vejo uma liberdade de julgamento de que eu não sou bem-sucedido, de que ainda tenho que ser bem-sucedido, ou, em outras palavras, nem tudo está bem comigo. 
Se uma pessoa está em casa sendo si mesma, quem quer que seja, eu diria que essa pessoa mesmo estando sozinha é bem sucedida.

AUTO-CONSCIÊNCIA E LIBERDADE
Nós podemos olhar para este conceito de sucesso de uma forma diferente: como uma pessoa auto-consciente que sou numa grande amplitude de ser livre – livre nos caminhos do meu pensamento, livre o suficiente para ter certos desejos, livre o suficiente para atuar sobre eles, ou não. 
As pessoas até podem ter desejos de ir para o céu. Isto é surpreendente para mim, porque ninguém viu o céu. No entanto, após a morte eles planejam ir para lá. 
E isso significa que o céu é o limite para os desejos.
Esse tipo de liberdade em termos de desejos é uma prerrogativa de um ser humano que é dotado do poder de desejo, do poder de saber e do poder fazer. 
Esse poder vem da pessoa de quem você é consciente, uma pessoa auto-consciente. E naquele mesmo Ser auto-consciente parece estar a liberdade que você retira.
O que me faz diferente de um animal como a vaca? A vaca também tem a capacidade de desejo, de saber. 
Não só reúne conhecimento perceptivo, ela também pode fazer inferências. Mas a partir do comportamento da vaca, parece que ela tem uma certa programação. A vaca é vegetariana não por escolha, por natureza, é um animal herbívoro. Ela tem certos desejos, mas não tem planos para a aposentadoria.
E parece ser feliz sendo uma vaca. Se é uma vaca indiana ou uma vaca Jersey, a vaca não parece ter qualquer complexo sobre ela como o ser humano tem. 
A vaca preta não acha que ela é preta e a vaca branca não acha que ela é branca. Ela está feliz onde quer que esteja. Os animais parecem estar em melhor situação do que nós, porque eles não têm complexos.
Como é um animal diferente de nós? O que faz a diferença? 
Ele tem um corpo, ele tem impulsos biológicos e fisiológicos que nós também temos. Não há diferença alguma. Mas a capacidade de conhecer, desejar e agir é programado em um animal.
 O que o faz livre desse tipo de vida totalmente programada? É apenas a auto-consciência.
Estando consciente de mim mesmo, eu me torno livre – livre em termos de desejo, de explorar, de conhecer. 
É a auto-consciência que me dota com essa liberdade. Todo ser humano tem uma grande capacidade (sakti) em termos de desejos. 
Isso é uma força motriz e isso é uma grande coisa. Temos empresas multinacionais por causa desta grande capacidade de desejo. 
Tudo o que os seres humanos têm feito é a manifestação da força do desejo.
Mesmo a destruição causada pelos seres humanos é novamente devido ao desejo. Você faz por causa do desejo e desfaz por causa do desejo. 
Esta força de desejar é uma força tremenda da qual o ser humano é dotado. E ela se manifesta mesmo quando criança. A estória dos desejos é muito interessante. Se você acompanhar de perto a estória dos desejos predominantes na vida de uma determinada pessoa, você pode ter a biografia dessa pessoa. 
Tudo o que você tem a fazer é observar todo o processo de realização de desejos e tentar satisfazer os desejos.
Quando criança, eu tinha desejos. Eu não posso dizer que eu tenha satisfeito todos eles. Como um menino ou uma menina, eles tem desejos. 
Nem todos são são satisfeitos. Qual criança não quis tirar nota 100 em todas as matérias? Ela teve que se contentar com alguma coisa a menos, alguma coisa a menos, alguma coisa a menos. Os pais também tinham muitos desejos em relação a seus filhos e eles também tiveram que se contentar com algo menos.
Como uma pessoa jovem, eu tinha um monte de fantasias. Naquele tempo eu achava que elas eram todas desejos legítimos – mais tarde provou-se que eram fantasias. 
Algumas deram certo e outras não contribuíram com qualquer medida de sucesso. 
Na verdade, algumas eram falhas. 
Embora os desejos são a força motriz da minha vida, sem dúvida, eles nem sempre são cumpridos.
A ideia de sucesso em termos de um desejo é obter exatamente o que é desejado. 
Atrás de cada desejo há algo apontado e isso tem de ser adquirido pela pessoa. Mas isso nem sempre acontece dessa forma.
Na verdade, após um certo número de anos de luta, mesmo quando os desejos surgem você sabe que irá satisfazê-los. 
Então, você se vê tendo problemas, mesmo começando algo novo. Quando você olha para trás na sua vida é um fato desconcertante perceber que num dia com doze horas acordado você nunca se deu conta, uma vez sequer, do pacote de desejos.
Como criança, eu tinha desejos não realizados. 
Como eu cresci, a lista se alongou. Cada ano que passou, trouxe mais alguns desejos insatisfeitos na minha vida. Na época em que eu cheguei aos 40, não havia esperança de satisfazê-los mais. 
Isso é um fato desconcertante, porque eu não consigo olhar para mim como uma pessoa bem sucedida quando eu tenho muitos desejos pendentes insatisfeitos. Esses desejos não tem graça para mim.
Não é que eu esteja tão feliz porque estou livre de ter desejos que eu, portanto, os acolho um pouco mais. E se eu os satisfaço, eu estou bem, e se não os satisfaço eu ainda estou bem.
Não. Esses desejos não estão separados do desejo-me, do esforço-me, de mim que quer chegar à frente. O mim competitivo e os desejos são idênticos, não são duas coisas diferentes. Os tipos de desejos que uma pessoa tem pode ser um pouco diferente dos desejos dos outros. 
Mas que todo mundo está sujeito a desejos é um fato e que eles são incapazes de cumprir todos eles é outro fato.
Esses desejos incluem o desejo de mudar os outros. O desejo aqui não é meramente o desejo por dinheiro, por um avanço em suas pesquisas, por um melhor lugar para trabalhar ou qualquer outra coisa que você possa querer. O desejo de mudar os outros é um desejo muito predominante na vida de alguém, especialmente quando você é casado. Você quer mudar o seu parceiro. Vinte e cinco anos de casamento já se passaram e você ainda está lutando para mudar a outra pessoa. O ser humano não desiste. E a verdade da história é que a outra pessoa também está tentando mudá-lo.
Eu não posso mudar o clima econômico da sociedade ou do país. Eu não posso mudar o comportamento das pessoas. Eu não posso mudar as crenças selvagens que as pessoas têm, mesmo que algumas delas sejam infundadas. Crenças que são absolutamente inverificáveis se tornam verdades absolutas, especialmente as crenças religiosas. Não há a possibilidade de verificar se eu vou sobreviver à morte ou não. É uma crença. E é uma crença não-verificável.
Como é que eu vou ter certeza se você e eu vamos sobreviver à morte, a não ser que nós dois nos encontremos após a morte? Suponhamos que eu sobreviva à morte, que eu vá para o céu também não é certeza. Que eu esteja indo também não é certeza. Que seguindo essa pessoa vai me levar até lá é outra crença que não se confirma. Tudo é turismo, promoção. A maioria das religiões são promoções de turismo.Gostaria de lhes dar a liberdade de acreditar no que eles acreditam e fazer o que fazem.
Mas eles não me dão a liberdade de não acreditar. E isso é o que chamamos de fanatismo. Em que base se pode provar que estou mais certo do que o outro? Talvez ambos estejamos errados. Talvez ambos estejam certos. Queremos que as pessoas pensem um pouco e mudem, mas nós achamos que não podemos mudá-las.
Eu tenho inúmeros desejos na minha vida. Eu quero que os líderes políticos se comportem corretamente. E quero que os líderes religiosos sejam mais responsáveis. Eu quero que as pessoas, em geral, sejam mais compreensivas, se não forem que se dêem. E é claro que eu quero que meus pais me entendam. Eu quero ser mais compreensivo, principalmente quando eu tenho que se relacionar com os meus parentes. Eu pareço ser muito intolerante. Portanto, os desejos não são apenas para o sucesso na minha profissão ou em termos de dinheiro. Há muitas áreas do desejo e poucas delas são preenchidas.
Quando eu posso dizer que sou bem-sucedido? Qual será a fração da minha felicidade, quando os desejos não realizados são mais numerosos do que os desejos satisfeitos? Não só existem muitos desejos atuais não cumpridos, mas há desejos não realizados, com referência ao meu passado também. E há também desejos enterrados no inconsciente os quais não estou agora consciente.
Eu tenho que olhar para mim como uma pessoa com todos esses desejos, porque todos eles me constituem. Meu senso de sucesso sobre mim é em termos de quantos desejos eu cumpri. Se isso for verdade, todo mundo tem de concluir: "Eu sou um fracasso." Antes de aceitar esta conclusão, temos que olhar para a natureza dos desejos.
Um desejo nem sempre é adquirir algo que você não tenha, como dinheiro, casa, amizade, nome, poder, habilidade e conhecimento. O desejo de qualquer um ou todos eles é um desejo positivo de adquirir o que é desejável. Depois, de acordo com você, há igualmente o desejo poderoso para evitar o que é indesejável. Você não quer perder o seu emprego, você não quer perder o valor do seu dinheiro e, portanto, você tem que combater a inflação.
Isso significa que você tem que investir e isso também significa que você tenha que arriscar. Você quer evitar um monte de coisas. Ambos os desejos que são positivos e desejos que são negativos são válidos. Incluídos estão os desejos de manter o que você tem, bem como para se livrar do que você tem. Estes são os conjuntos de desejos que constituem um ser humano. Sua expressão é a própria vida da pessoa, a estória da pessoa.
As atitudes de uma pessoa, os julgamentos sobre si e dos outros, também são baseados no cumprimento e o não cumprimento dos desejos. A amargura que se pode ter sobre a vida ou sobre si mesmo está de novo na expressão desses desejos. Mesmo se eu tiver cumprido pelo menos cinqüenta por cento desses desejos, talvez eu possa dizer que eu sou bem sucedido. Mas isso não é o caso. Mesmo um desejo não realizado é demais. Portanto, eu não vejo nenhuma maneira de olhar para mim como uma pessoa de sucesso.

O DESEJO COMO UM PRIVILÉGIO

Agora, aqui vem uma pessoa como eu para falar sobre isso.Existe alguma coisa que vai me ajudar a olhar para estes desejos mais como um privilégio do que as coisas para serem realizadas? Existe uma base para o meu auto-julgamento? Pode haver uma expressão da alma livre que eu sou? Esses desejos podem constituir a minha personalidade, meus gostos simples e desgostos, dando uma individualidade, uma singularidade para mim.
Assim, eu posso olhar para eles como um privilégio. Para isso, eu devo ser alguém que seja aceitável para mim. Isso significa que tenho que me ver como um pouco diferente do privilégio que eu tenho, porque aquele que é privilegiado é uma pessoa que já goza de alguns privilégios. Privilégios são luxos. Se eu olhar para os meus desejos, desta forma, então eu posso dizer que sou uma pessoa bem sucedida.
Nossa forma de encarar a vida é um pouco diferente. Quando eu digo nosso modo de vida, eu quero dizer uma tradição de ensino, o ensino espiritual. À luz da visão dos professores nessa tradição, o sucesso é sempre um siddhi. Isto é completamente diferente.
Neste conceito de sucesso, os desejos não formam a base para o meu auto-julgamento, pois eles são puramente privilégios. E nesta visão o Ser deve ser entendido como ele é. Para converter esses desejos em privilégios, para entender o que eles realmente são, o Ser deve ser adequado, mesmo antes da realização de desejos.
Eles devem ser vistos como privilégios adicionados a uma pessoa cuja alma é livre, uma pessoa que já está livre, uma pessoa adequada, uma pessoa que está à vontade consigo mesma. Essa pessoa acrescida de desejos é totalmente diferente. Essa é uma pessoa bem sucedida. Na verdade, todas as suas faculdades estão livres, pois a pressão para satisfazer os desejos não está lá, a pressão para se provar aos outros não está lá.
Nós temos um plano de limpeza, um método no Bhagavadgita. Se eu posso gerenciar os meus desejos, eu não vou ser afetado por um sentimento de fracasso. Gerenciar os desejos, nós chamamos isso de Yoga. Minha capacidade de gerir os meus desejos me faz um yogi, uma pessoa que tem um grau de sucesso. Mas você não pode gerenciar nada a menos que você saiba o que é que você espera gerir.
Os desejos se tornam a base para o meu auto-julgamento apenas quando estes desejos me causam aflição. Em outras palavras, quando eu não sei como pegar os resultados do curso da ação que eu me incumbi para realizar qualquer desejo determinado. Nesta base, há uma análise de todo o conceito de fracasso e sucesso na Gita.
O que você deseja não é um problema. É uma prerrogativa, que você precisa para realizar o desejo que é inerente ao próprio desejo. Você não pode ter um desejo e dizer: "Eu não preciso realizá-lo." Um desejo é fazer o que precisa ser realizado. A fim de realizar um desejo, uma vontade, um anseio, você realiza um curso de ação. Isso não é inesperado. Basta olhar para todo o processo. O que eu desejo é natural. Que o desejo tem de ser cumprido é apropriado e isto é inerente ao próprio desejo.
E assim eu me comprometo a uma atividade para cumprir esse desejo o que é natural. E nada disso o incomoda. O que incomoda é isso: após que o curso de ação é realizado, você desenha uma linha em algum lugar e vê se o que se espera é atingido ou não. E esse resultado esperado de sua atividade está sempre em sintonia com o que você originalmente pretendia. Então, você tem um plano e os desejos estão lá.
Sua faculdade cognitiva ajuda você a planejar como vai realizar o desejo. As competências e os recursos que você tem se reúnem para executar o curso de ação que está planejado de modo que você possa conseguir o que sempre quis. Mas quando o resultado é visto, você acha, mais freqüente do que nunca, que você não é bem sucedido. Isto também é chamado de fracasso. Daí nós entendemos que no decorrer do meu planejamento e ação, há muitas variáveis ocultas.

RECONHECENDO AS VARIÁVEIS OCULTAS
Variáveis ocultas são o que são, não estão sob seu controle. Você não pode interferir mais sobre elas. Há uma verdade nisso, eu não contesto. Eu tento trazer a tona essas variáveis ocultas, o tanto quanto possível e assim quando eu posso. Mas pelo caminho existem variáveis ocultas. A coisa toda é um jogo de percentagem e eu preciso mudar cognitivamente, o que trará uma mudança necessária em mim. Eu não estou falando sobre saúde e pensamento positivo.
Eu estou falando de pensar de uma forma apropriada. Se você entender o que você não tem e quer ter, isso é pensamento negativo? 
Isto é pensar. Assim, você não lamenta sobre isso, que nasceu de uma certa atitude, uma atitude conseqüente para a minha mudança cognitiva. O que eu estou tentando fazer aqui é ver se somos capazes de ver certos fatos sobre esta questão.
Viver uma vida de conquistas é um jogo de percentagem.
Quando eu planejo e ajo para alcançar um determinado resultado, eu posso ser surpreendido com um resultado que é ainda mais do que eu me propus a realizar. 
Ou eu posso realizar exatamente o que eu queria, ou posso realizar menos do que aquilo que eu queria, ou posso conseguir algo oposto. 
Tomemos o simples ato de pegar o ônibus. Estou em um lado da rua. O ponto de ônibus é do outro lado.
Eu tenho que atravessar a rua e pegar o ônibus. Meu desejo é pegar o ônibus, então, eu atravesso a rua e pego o ônibus. Este é o sucesso. 
Ou, eu atravesso a rua e um amigo pára o carro e me dá uma carona, isto é mais do que eu queria. Assim, eu sou muito bem sucedido. Estas duas coisas eu não preciso gerenciar de modo algum. Se as coisas acontecem em toda minha vida desta forma, não há problema. 
Mas quando eu recebo menos do que eu queria, eu tenho um problema de gestão. Eu atravesso a rua. Eu perco o ônibus.
Esse resultado eu tenho que levar em conta. Eu não ajo em nada. Algumas pessoas dizem que você deve executar a ação sem esperar os resultados; mas ninguém executa a ação sem esperar os resultados. 
A ação é destinada somente a produzir resultados. 
Se for menor do que o esperado, é um fato. Você é uma pessoa cognitiva e isso você vai ver; pois você tem que administrar essa situação.
Depois, há o oposto do que é esperado. Eu estava atravessando a rua; então, dois dias depois, eu me encontro acordado no hospital, fazendo algumas perguntas básicas, como: "Onde eu estou? Quem sou eu?” 
E assim por diante. Estes quatro tipos de resultados são inerentes a esta ação, porque há variáveis escondidas.
Se o resultado é mais do que o esperado, as variáveis ocultas são a seu favor, ou você conseguiu exatamente o que você queria. 
Novamente, as variáveis ocultas estão a seu favor. Se o resultado for menor do que você queria ou o oposto do que você queria de forma oculta, as variáveis ocultas não estão em seu favor. 
A única satisfação é: poderia ter sido pior.
Na Gita nós temos uma declaração que diz: "Sempre tenha a mesma mente ao obter o desejável e o indesejável," ista-anista-upapatisu nytiam samacittatvam. 
Os dois primeiros resultados que vimos são desejáveis: ista. Os outros dois não são: anista. 
Na seqüência dos dois, se você pode comandar uma mente, uma atitude em que você é o mesmo (samacittatvam), nem muito entusiasmado, porque você conseguiu mais, nem deprimido porque não conseguiu o que queria, então você é bem sucedido em termos de administrar os seus desejos. 
Caso contrário, você tem que satisfazer todos eles para ser bem sucedido.
Administrar os desejos não é controlar os desejos, porque os desejos são um privilégio. Você só tem que ser pragmático em termos de saber se vale à pena buscar o desejo ou se é possível satisfazê-lo com os recursos e as limitações que você tem. Uma pessoa cognitiva será capaz de decidir isso e um indivíduo tem esta liberdade para desejar. Uma vez que você decide realizar um desejo, no processo, há a sua auto-expressão, que é muito gratificante. 
Os desejos são um privilégio e seu trabalho para realizá-los é outro privilégio.
Se você não tem o entusiasmo para satisfazer um desejo devido à inércia, isso é uma tragédia. Você não precisa de mais nada para se sentir mal por dentro. 
Quando você está bem e faz alguma coisa, isto é auto-satisfação, porque vem da liberdade. Essa liberdade é manifesta na sua atividade e a pessoa cognitiva manifesta-se no planejamento. Na verdade, você está se expressando por todo o caminho e o problema só começa quando você começa a reagir aos resultados. 
Quando eu reajo aos resultados, acho que ou eu estou eufórico ou deprimido. Isto é um pêndulo.
Gita me diz um pouco mais sobre a situação. 
Você tem a escolha, a liberdade, com referência ao curso da ação para satisfazer um desejo. 
Mas você não tem controle total sobre o resultado, pois que existem demasiadas leis que você tem que levar em conta. Também, existem muitas variáveis para controlar assim que me dizem: 
karmani eva adhikarah te, "Você tem uma escolha somente sobre sua ação."
O resultado é cuidado pelas leis sobre as quais você não tem controle algum. Nós não temos conhecimento de todos elas. Nossa compreensão das leis é muito limitada. É algo como o orçamento para o seu futuro. Você tem alguns dados básico sobre qual será o seu orçamento para o ano, com base no que você pretende realizar este ano, as suas despesas, receitas, etc; e, você chega a um valor. 
Então, você adiciona algo para quaisquer variáveis ocultas, dez por cento, talvez.
Mas, então, as variáveis ocultas não podem ser apenas dez por cento. É muito claro que, com o conhecimento limitado e o poder eu não posso pensar no que vai acontecer no futuro. 
É impossível descobrir o que está por vir. Eu não posso saber tudo o que vai acontecer e mesmo se pudesse saber, eu não poderia parar. Eu sou limitado em competências, habilidades e conhecimento.
Este é um fato que você tem que reconhecer.
Quanto mais você reconhecer isso, mais você estará equipado para lidar com isso. Esse reconhecimento, na sua esteira, traz uma mudança em sua atitude em relação a si mesmo e também para o que você está enfrentando. 
Como os resultados são esperados e porque eu sou pragmático e suficientemente equipado cognitivamente, eu sou capaz de tomá-los como eles vêm.
Porque eu entendo que eu não posso acertar todos os tiros e porque os resultados são inerentes a cada ação, só posso estar sempre em oração, e recebê-los como eles vêm. 
O pragmatismo vem do entendimento de que os outros dois, o de menos e o oposto, também são esperados. 
Eles estão no jogo.
Então você ouve da Gita que você tem uma escolha sobre as suas ações. Você pode agir, você não precisa agir, ou você pode agir de maneira diferente. 
Você tem um desejo, que você escolheu para satisfazê-lo e escolheu um curso de ação. É livre o tempo todo. Não há permissão ou impedimento à sua liberdade.
Mas quando o resultado vem, você acha que a sua liberdade se foi, porque o resultado vem de acordo com suas próprias leis, as quais nós não entendemos. 
A Gita diz que você tem escolha sobre sua ação. 
Você é o autor de sua ação (karma-hetu), mas não do resultado (karmaphala hetu). Você não é a origem do resultado da ação, porque há muitas leis envolvidas.
Se eu entender isso, eu posso ir mais longe e perceber que todas essas leis são dadas. 
As leis podem até mesmo incluir a lei do karma; suas próprias ações passadas podem ser úteis a você ou contra você. Na experiência humana, nós achamos que uma é sorte e a outra não é sorte. Enquanto a boa sorte e a má sorte estão lá, você tem que aceitar que há alguma outra força, porque não há nada de acidental neste mundo.
Todo acidente é explicável. 
"Acidente" é uma palavra para um incidente no tempo e lugar cujas causas não são conhecidas. 
O entendimento de que não tenho escolha sobre os resultados das minhas ações me dá a capacidade para ser objetivo e receber os resultados como eles chegam. 
Eu posso ser mais sábio, à luz do que eu consegui ou não consegui. Ninguém é um perdedor. 
Apenas uma mudança de atitude me faz sentir livre, com referência ao meu desejo e a satisfação dos desejos. 
Se toda a minha vida se torna Yoga, me torno mais sábio, nunca o perdedor.
Isto é o Yoga. As leis que existem são dadas, mas elas não são dadas ou criadas por mim. 
Meu corpo em si é dado. Minha mente é dada. Meus sentidos são dados. Minha filiação, a terra, as galáxias, o universo, o mundo dos objetos quânticos são todos dados. Se tudo é dado, isso significa que ninguém cria nada. Tudo está disponível na superfície ou como um potencial.
Cada segmento de software e cada máquina que foram descobertas eram potenciais. Nós nunca conseguimos o impossível. Nós vemos uma possibilidade e trabalhamos nisso. O homem foi à lua e voltou porque era uma possibilidade. Certas coisas estão colocadas numa forma potencial a serem exploradas através da ação. 
Entre a ação e o resultado possível, a conexão já está prevista.
Tudo é determinado. O corpo, a mente e os sentidos são inteligentemente colocados juntos e dados. Você não pode pensar em algo inteligentemente para ser colocado junto para servir a um propósito, que não implique um conhecimento prévio. E o conhecimento implica, necessariamente, um ser consciente. 
Se tudo que está aqui é dado, isto implica conhecimento, o que implica um ser consciente. 
Este ser consciente tem que ser aceito e se ele for, você diz que ele é Deus.
Este Ser inteligente que criou tudo isso junto é, necessariamente, todo o conhecimento. 
Uma vez que tudo é dado, aquele Ser inteligente, aquele conhecimento, tem que se manifestar sob a forma de tudo o que está aqui. 
Nada pode estar fora dessa realidade. Deus não pode estar sentado em algum lugar no tempo e no espaço e criar tempo e espaço.
Tempo e espaço não são absolutos, pois eles são parte do todo. 
Além disso, Deus não pode estar fora do tempo e do espaço, pois nosso conceito de fora está no espaço. 
A única alternativa é que o próprio espaço não é separado de Deus. O tempo em si não está separado de Deus. 
Toda lei, toda a força, forte e fraca, não está separada de Deus.
Tudo que está aqui é Deus. 
Se eu puder ter essa consciência é mais fácil para mim aceitar as coisas. Meus conhecimentos e poderes são limitados. 
Eu só posso planejar muito, mas eu posso aprender no processo. 
Portanto, a vida não é uma questão de julgamento com base em um dia. 
Se eu apreciar este processo, eu sou bem sucedido. 
Eu me torno mais sábio. Isto nasce do entendimento, é a liberdade expressa.
Meu desejo é uma expressão de liberdade. 
Não se liga a mim e é um privilégio. 
Se eu olhar para ele dessa maneira, minha vida é chamada de uma vida de Yoga. 
Eu cresci como pessoa. 
É aquela pessoa que pode se tornar compassiva, que pode ser o entendimento, que pode ser o não-julgamento desabonador sobre si mesmo e os outros também. 
Essa pessoa é bem sucedida.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012



HOMEOSTASIA E REOSTASIA
Depto. Fisiologia e Farmacologia
CCB/UFPE

Uma das coisas que mais caracteriza um ser vivo é sua interação com o meio que o cerca. Pelo menos em boa parte de sua vida, os organismos vivem às custas de uma troca de energia, matéria e informação com o ambiente (fig.01).
A energia é essencial para o funcionamento do organismo. O animal utiliza a energia dos alimentos oxidando-os. Uma parte dessa energia é acumulada na forma de ligações químicas e outra parte é utilizada para produzir calor, movimento ou novas reações químicas. A matéria, formadora do corpo do animal, é continuamente perdida pelo desgaste ou para fornecer energia. Dessa forma, a matéria é continuamente absorvida, transformada e devolvida ao ambiente em uma forma mais desorganizada como as fezes. Outro processo importante é a captação de informação do ambiente. Essa informação direciona todo o comportamento e o amadurecimento dos organismos em todos os níveis do reino animal e é processada na forma de códigos elétricos ou químicos. Em todos os níveis de organização da matéria viva podemos encontrar esse fluxo de informação. Dessa forma, podemos considerar os animais como centros transformadores que continuamente trocam com o ambiente, matéria, energia e informação e que dependem desse fluxo para se manterem vivos. O biologista Ludwig von Bertalanffy, na primeira metade do século XX, estudou esse fenômeno e descreveu os organismos vivos como "Sistemas Abertos" (fig.02), pois estão em constante troca de elementos com o ambiente externo (Capra, 1996; Douglas, 1999):
O organismo não é um sistema estático, fechado ao mundo exterior e contendo sempre componentes idênticos; é um sistema aberto (quase) estacionário, onde matérias ingressam continuamente vindas do meio ambiente exterior, e neste são deixadas matérias provenientes do organismo (Bertalanffy, 1938).

ESTABILIDADE E MUTABILIDADE

À primeira vista, um organismo funcionando como um sistema aberto pode parecer deveras susceptível a flutuações ambientais e se tornar instável. Na verdade, não é bem assim. Nos seres vivos os conceitos de estabilidade e mudança assumem um papel de destaque que é essencial para a manutenção da vida. Se não houvesse estabilidade não haveria evolução pois as características de cada geração não passariam à descendência e seriam perdidas. Nossa própria massa seria extremamente volátil e não haveria garantia da manutenção das características bioquímicas essenciais à vida. Os organismos se mantém vivos em função de sua capacidade de estabilizar sua organização interna, evitando a desintegração em um estado cada vez mais desorganizado. Schrödinger (1947), descreveu esse fenômeno como a capacidade de manter baixa entropia (desordem) pela retirada de entropia negativa (ordem) do ambiente. Em outras palavras, os seres vivos se mantêm estavelmente organizados à custa da desorganização do ambiente.
A importância dessa estabilidade para a manutenção da vida foi destacada por Claude Bernard (1872) em sua afirmativa: "A constância do meio interno é a condição da vida livre" (Randall et al., 2000; Ashby, 1970).
Por outro lado, a manutenção da "estabilidade" em meio a um ambiente em constante mudança, exige mecanismos eficientes para superar as dificuldades e regular os fluxos de entrada e saída do organismo vivo. Podemos representar as dificuldades envolvidas nesse processo imaginando uma pessoa que procura se manter de pé em cima de uma prancha que flutua sobre uma superfície líquida em permanente mudança Figura 03.

Para se manter equilibrado, esse indivíduo deve realizar ajustes posturais para compensar um ambiente flutuante. Dessa forma os organismos vivos mantêm a estabilidade às custas de mutabilidade. Na verdade, apesar da importância da estabilidade, a mutabilidade é essencial para os organismos. Sem a nossa capacidade de mudar seria impossível a adaptação a ambientes diversos, assim ela aparece sob as mais diversas formas: alterações na temperatura do corpo, movimento do sangue, processos digestivos, crescimento, puberdade, velhice, aprendizado, aclimatação etc.
Podemos destacar dois tipos principais de alterações no organismo. As que buscam manter os parâmetros orgânicos do animal em um nível estável, o nível de referência, e as que buscam alterar o nível de referência. As primeiras correspondem às regulações que o organismo lança mão para compensar flutuações aleatórias do ambiente e que, por isso, não podem antecipar. A capacidade e os mecanismos que possibilitam essas mudanças reativas foram denominados de homeostasia por Cannon (Langley, 1980). O segundo tipo corresponde àquelas que ocorrem de forma não imediatamente relacionadas a algum evento e se instalam alterando o nível de referência de algum parâmetro orgânico para possibilitar a adaptação do organismo diante de alterações de seu ambiente interno ou externo. Elas podem aparecer de forma periódica ou não. Uma boa denominação para esse fenômeno é reostasia (Mrosovsky, 1990). Dessa forma podemos dizer que os animais apresentam a fisiologia da estabilidade (Homeostasia) e a fisiologia da mudança (Reostasia).
Na verdade, os dois processos existem para manter os sistemas vivos em um estado definido por Bertalanffy como "Fliessgleichgewicht" ou "Equilíbrio fluente". Em cibernética é definido como "Estado estacionário afastado do equilíbrio". Além desses dois tipos de flutuação ainda podemos encontrar componentes caóticos que são comuns nos sistemas vivos (Glass e Mackey, 1997).
TERMODINÂMICA E VIDA
Essas características peculiares dos seres vivos tem chamado a atenção dos físicos em função da aparente violação das Leis da Termodinâmica:
A luta generalizada pela existência de seres animados não é portanto a luta pela meteria-prima – esta, para os organismos, corresponde ao ar, a água, o solo, todos presentes fartamente – nem é tampouco a luta pela energia que existe em abundância em qualquer corpo na forma de calor (embora, infelizmente, não transformável), mas é a luta pela entropia, que se torna disponível através da transição de energia do sol quente para a terra fria (Boltzmann, 1886).
Portanto, o estratagema que o organismo usa para se manter estacionário em um nível bastante alto de ordenação (= nível bastante baixo de entropia) na verdade consiste em continuamente sugar ordenação do seu ambiente... as plantas...é claro, conseguem seu suprimento mais poderoso de entropia negativa na luz solar (Schrödinger, 1944)
O aparente conflito pode ser resumido na pergunta: como a vida apresenta um padrão cada vez mais organizado em meio a um mundo não vivo que flui em direção ao CAOS? A primeira Lei diz que a energia não pode ser criada nem destruída e que a energia total em um sistema fechado ou isolado permanece a mesma. A segunda Lei afirma que qualquer processo real somente pode prosseguir em uma direção que resulte em aumento da entropia (desordem). Segundo Schrödinger (1947), a vida exibe dois processos para reduzir sua entropia. Os seres vivos geram ORDEM a partir de DESORDEM e geram ORDEM a partir de estados já ORGANIZADOS (fig.04).
A solução da questão está no fato de que os organismos vivos não são sistemas fechados mas sim abertos, portanto não obedecem às Leis da Termodinâmica na forma que foram expostas, limitadas a sistemas fechados (Schneider e Kay, 1995).

A FISIOLOGIA DA ESTABILIDADE – HOMEOSTASIA

Os primeiros registros de que o organismo possui uma forma de ajuste para manter sua estabilidade se devem a Hipócrates. Ele acreditava que as doenças eram curadas por poderes naturais, isto é, dentro dos organismos existiriam mecanismos que tenderiam a ajustar as funções quando desviadas de seu estado natural. Em 1885, o fisiologista belga Frederico declarou que o ser vivo é uma organização em que cada influência perturbadora induz, de per si, o incremento de uma atividade compensadora para neutralizar o distúrbio. Apesar de vários pesquisadores possuírem essas idéias, é mais amplamente conhecido o trabalho do fisiologista francês Claude Bernard que, em 1865, publicou o livro intitulado "Introduction to the Study of Experimental Medicine". Nesse trabalho ele lança a idéia de que os organismos possuem um ambiente interno que deve ser mantido constante. Bem depois de Claude Bernard, um fisiologista americano chamado Walter Cannon publicou um artigo intitulado "Organization for Physiological Homeostasis"., onde aprofunda as idéias de seus predecessores e propõe o termo Homeostasia para expressar essa característica essencial dos organismos vivos (Langley, 1980).
Podemos recorrer à engenharia para representar uma função orgânica a ser mantida estável a representa-la em um modelo hidráulico (fig.05). Neste modelo, o nível da água no tanque dependerá essencialmente da relação entre a entrada e a saída. Como esses parâmetros não estão controlados, o nível da água é instável pois pode ser facilmente afetado por alterações na entrada e na saída. Para se atingir o equilíbrio característico dos organismos vivos, a entrada e a saída do sistema devem ser, necessariamente, controladas. Podemos representar esse controle acrescentando duas bóias ao nosso modelo (fig.06).

Agora o nível do líquido no tanque se torna bem mais estável. As bois funcionam como sensores. Se houver aumento no fluxo de entrada, o nível tenderá a subir, o que provocará redução do fluxo de entrada por B1 e aumento da saída por B2 até que o nível correto seja atingido. Os sistemas que funcionam como o da figura 05 são chamados de SISTEMAS NÃO CONTROLADOS e os que funcionam como os da figura 06 de SISTEMAS CONTROLADOS. A cibernética representa os sistemas em diagramas como o da Figura 07:
 
Na figura 07A, o sistema é não-controlado. Existe uma função que representa a relação entre a entrada e a saída. Essa relação é a função de transferência Ft (Douglas, 2000).

A função de transferência representa os processos que existem dentro do sistema e que produzem uma determinada saída (S) a partir de uma entrada (E). No caso 7A, alterações na entrada ou na saída não são acompanhadas por alterações compensatórias no sistema. Na figura 07B, o trabalho do sistema é acompanhado por um sensor que compara o parâmetro a ser regulado com um valor de referência. A partir dessa comparação, podem ser ativados sinais de ajuste em função da discrepância entre o sensor e a referência (Cabanac et al, 2000).
Quando o sinal de ajuste atua sobre o subsistema de entrada, ou seja, regula um mecanismo anterior ao sensor, chamamos esse processo de retroalimentação. Quando o sinal de ajuste atua sobre o subsistema de saída, ou seja, regula um mecanismo posterior ao sensor, chamamos esse processo de anteroalimentação. Tanto o retroalimentação quanto o anteroalimentação podem se apresentar como negativas ou positivas. O retroalimentação negativa e o anteroalimentação positiva são essenciais à manutenção da estabilidade do sistema. O processo positiva produz no subsistema um efeito diretamente proporcional à diferença entre o sensor e o nível de referência enquanto o processo negativa produz um efeito inversamente proporcional.
Imaginemos o sistema de regulação de água no organismo humano. A aquisição e a perda de água regulam o nível do líquido no corpo. Se esse nível estiver abaixo do normal (referência), o sistema reduz a perda e aumenta a aquisição (fig.08).

Na figura 08, o sinal que controla a aquisição e preservação trata-se de um retroalimentação negativa, pois se o nível da água desce, ela provoca um aumento no fluxo de entrada e se o nível da água sobe ela provoca a redução desse fluxo. O sinal que controla a perda de água trata-se de um anteroalimentação positiva pois nas mesmas situações, ele provoca respectivamente a redução do fluxo e o aumento do fluxo de perda de água. Tanto o retroalimentação negativa quanto o anteroalimentação positiva são essenciais para a manutenção de um estado estável.
Alguns pesquisadores acham útil a distinção entre dois tipos de sistemas controlados. Aqueles com regulação de variável e aqueles commodulação (ou controle) de variável. A regulação ocorre nos parâmetros de variáveis intensivas, aqueles que possuem sensores participando diretamente do processo regulatório como a temperatura corporal (termoreceptores), pressão arterial (baroreceptores) e concentração de substâncias (quimioreceptores). As variáveis moduladas (controladas) são representadas pelas funções fisiológicas como a produção de calor, o débito cardíaco e a ventilação pulmonar.
A temperatura é regulada através da modulação da produção de calor, das perdas evaporativa e radiativa e do comportamento. A pressão sanguínea é regulada através da modulação do débito cardíaco e da resistência vascular. As concentrações de CO2 e de O2 no sangue são reguladas através da modulação da ventilação pulmonar. Do ponto de vista matemático, os parâmetros regulados são variáveis e os parâmetros modulados são funções. (Cabanac et al., 2000).

FISIOLOGIA DA MUDANÇA – REOSTASIA

Reostasia pode ser definida como a condição em que: a qualquer momento o nível de um parâmetro é mantido próximo à referência por mecanismos homeostáticos mas, ao longo do tempo, o nível de referência é alterado (Mrosovsky, 1990 ). Dessa forma, podemos admitir que enquanto a homeostasia é um fenômeno observado em uma escala de tempo de curto prazo, a reostasia se refere a fenômenos que são observados em maiores escalas de tempo, ou seja, através de séries temporais. A figura 09 representa os tipos de alteração observados ao longo do tempo em uma série temporal. Podemos identificar pelo menos quatro tipos de alteração nesse gráfico: uma tendência, variações não periódicas, variações periódicas e flutuações aleatórias de curto prazo. As flutuações aleatórias de curto prazo representam fuga do parâmetro em relação ao nível de referência e são ajustados por mecanismos homeostáticos mas a tendência, as variações não-periódicas e as variações periódicas representam alterações no próprio nível de referência.

Mrosovsky apresenta dois tipos de reostasia, a reativa e a programada. A reostasia reativa se refere àquelas alterações do nível de referência ocorridas como resposta a algum estímulo. Dessa forma ela ocorre apenas na dependência da presença do estímulo. O exemplo mais evidente de reostasia reativa é a febre. O nível de referência de temperatura do corpo pode ser alterado pela presença de agentes pirogênicos em circulação. Dessa forma os processos homeostáticos passam a tentar manter a temperatura do corpo em um nível mais elevado. Esse fenômeno pode ser observado mesmo em animais ectotérmicos. Após uma injeção de patógenos, a iguana do deserto,Dipsosaurus dorsalis, tendo acesso a alguma fornte de calor, se posiciona de forma a absorver mais calor e aumentar a temperatura do corpo. Ela ajusta seu comportamento para se tornar febril.
A reostasia programada se refere àquelas alterações que são obrigatórias em certas fases do ciclo de vida. Podemos citar como exemplos a elevação da temperatura do corpo da mulher durante a fase lútea do ciclo menstrual, a redução do nível de CO2 (PCO2) alveolar em mulheres grávidas e o estado de consciência ao longo do ciclo de sono e vigília. Essas alterações programadas são essenciais por permitir o ajuste da fisiologia dos organismos a condições específicas que venham sendo seletivamente importantes ao longo da história evolutiva da espécie. Se essas condições se expressam de forma periódica, torna-se possível e adaptativamente vantajoso para o organismo ajustar sua fisiologia antecipadamente em relação a essas condições específicas. Assim, muitos parâmetros fisiológicos apresentam caráter recorrente e com períodos que se expressam de forma claramente antecipativa em relação às alterações periódicas de seu ambiente. Esse tipo de alteração é tão importante que virtualmente todos os organismos estudados apresentam esses fenômenos conhecidos como ritmos biológicos. É possível, portanto, deduzir que os organismos que possuíam essa capacidade de antecipação sobreviveram e transmitiram essa característica a sua descendência (Menna-Barreto e Marques, 1997, 2002).

BIBLIOGRAFIA

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MENNA-BARRETO, L. e MARQUES, N. (1997). Cronobiologia: Princípios e Aplicações. EDUSP, São Paulo. 1a. edição.
MENNA-BARRETO, L. e MARQUES, N. (2002) O tempo dentro da vida, além da vida dentro do tempo. Ciência e Cultura, outubro 2002. p. 44-46.
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O’Neill (Org.). O que é a vida: 50 anos depois. UNESP. São Paulo.
SCRÖDINGER, ERWIN (1947). O Que é a Vida?. Editora Fragmentos. Lisboa
RANDALL, DAVID; BURGGREN, WARREN e FRENCH, KATHLEEN (2000). Fisiologia Animal. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro.